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domingo, 13 de outubro de 2013

ODE MARITIMA

Ode marítima
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.
Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.
Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É – sinto-o em mim como o meu sangue -
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui…
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.
Fernando Pessoa
postado por marlene de goes





2 comentários:

Edum@nes disse...

Para todos vós eu digo bom dia
Hoje, não quero de tristezas falar
Transmito-vos a minha alegria
Por neste mundo convosco estar!

Bom domingo para você,
amiga Marlene, um beijo
Eduardo.

Patrícia Pinna disse...

Boa tarde, Marlene. Quando o barco se aparta do cais, os corpos se apartam da alma, a vida segue um curso diferente, mas a tristeza há de passar como tudo nessa vida, ciclicamente veremos outros cais e outros barcos, feliz ou infelizmente.
Talvez seja a missão que alguém tem na vida da outra pessoa e o tempo findou, assim como o barco que não podia mais esperar e do cais se desprendeu.
Obrigada pelo seu extremo carinho comigo, amiga.
Muito obrigada.
Beijos na alma e lindo dia de paz!

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